Nos anos 60, o estúdio britânico conhecido como Hammer Film Productions pegou nos clássicos do horror, que haviam sido tão bem explorados pela Universal, nos anos 30, e resolveu dar-lhes um twist.
 Uma das suas primeiras escolhas, para além do vastamente conhecido Drácula, foi baseada no livro de Robert Louis Stevenson, “Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde”, de 1886. 
The Two Faces of Dr. Jekyll” foi escrito por Wolf Mankowitz e dirigido por Terence Fisher.
 A história não é 100% fiel ao conto, mas mais uma adaptação livre e particularmente crítica quanto à moralidade da sociedade da época. 



















Tanto Jekyll como Hyde são interpretados por Paul Massie. 
Este oferece uma sólida representação de dois indivíduos que, embora sejam o mesmo, são polos opostos no que à personalidade diz respeito. Jekyll é apresentado como o homem comum da época vitoriana. Cândido, estoico e sobretudo “castrado” emocionalmente.
 Tão despegado e banal é o cientista que não é de admirar que a esposa, Kitty, interpretada pela belíssima actriz Dawn Addams, se aborreça com a sua mera presença. 
Tentando descobrir os segredos que a mente humana esconde, Jekyll é um homem totalmente absorvido pelo trabalho e acaba por negligenciar a esposa, que encontrará o amor que procura nos braços de Paul Allen. Paul é o contraponto de Jekyll. 
Embora sejam amigos, Allen é o típico homem sem escrúpulos , sem moral, que vive de favores de outros.

















 Este estereótipo de “homem perigoso” é interpretado pelo inigualável Christopher Lee, e funciona como a antítese de Jekyll. 
Uma verdadeira chama que atrai Kitty a si. 
Perante este cenário, o bom Doutor decide, contra as regras do bom senso, ingerir uma fórmula experimental que andava a desenvolver. O resultado é uma transformação física e psicológica. Nasce Hyde.
 Este “novo homem”, contrariamente a outras representações, não é um monstro inumano, de aparência grotesca e força brutal, mas antes uma pessoa bem parecida e elegante. Alguém que se destaca numa multidão.
 Hyde é tudo o que Jekyll não consegue ser e, como Allen, é um homem de vícios e manhas. 
O “monstro” que nos é aqui mostrado não é tanto isso, mas antes uma representação negra do lado oculto e perverso e uma sociedade que todos negam e desejam esconder. 
Sendo a mesma pessoa, não chega a existir um embate físico entre Jekyll e Hyde, mas há um embate psicológico.
 Existe uma cena na qual a alternância de personalidades é tão bem conseguida que as pessoas em volta de Hyde são levadas a questionar acerca da sanidade deste. 

















A nível o cenário, fotografia e banda sonora vê-se bem a marca do estúdio que esteve por detrás deste filme. Podem faltar os castelos e as neblinas, mas o suspense continua lá. A beleza de uma Inglaterra próspera e luxuriante está bem patente. 
Two Faces”, embora não seja um dos melhores da Hammer, e possa até estar um pouco datado, é original na forma como expõe o conto e consegue inovar, sem desvirtuar. 
A jeito de mera curiosidade, este filme é chamado de “House of Fright” e “Jekyll's Inferno” nos EUA.


Escrito por Ivo Silva